PENS – Estimulação Elétrica Nervosa Percutânea: Uma Abordagem Minimamente Invasiva para o Controle da Dor

setembro 13, 2025
escrito por: Dr. Marcus Yu Bin Pai

Médico Fisiatra e Especialista em Dor pela AMB. Doutorado em Ciências pela USP.

Introdução

A dor crônica representa um desafio complexo na medicina moderna, afetando milhões de pessoas globalmente e comprometendo significativamente a qualidade de vida dos pacientes. Quando os tratamentos farmacológicos convencionais mostram-se insuficientes ou causam efeitos colaterais indesejados, torna-se fundamental explorar alternativas terapêuticas baseadas em evidências científicas sólidas.

Estimulação Elétrica Nervosa Percutânea (PENS) emerge como uma técnica de neuromodulação minimamente invasiva que combina os princípios da acupuntura tradicional com os avanços da neurofisiologia moderna. Este procedimento representa uma evolução natural da conhecida TENS (Estimulação Elétrica Nervosa Transcutânea), oferecendo maior precisão e eficácia no tratamento de condições dolorosas complexas.

O que é a PENS – Estimulação Elétrica Nervosa Percutânea?

A PENS é uma técnica terapêutica que utiliza agulhas filiformes extremamente finas, similares às utilizadas na acupuntura, para aplicar estimulação elétrica controlada diretamente nos tecidos próximos aos nervos periféricos. Diferentemente da TENS, que aplica corrente elétrica sobre a superfície da pele, a PENS permite que a estimulação chegue mais próxima das estruturas nervosas alvo, atravessando a barreira natural da pele.

O procedimento consiste na inserção de eletrodos tipo agulha (geralmente de calibre 21, com comprimento variando entre 5 a 20 centímetros) no tecido subcutâneo, posicionados estrategicamente ao longo do trajeto do nervo ou na região dermatomal correspondente à patologia. Essas agulhas são então conectadas a um estimulador elétrico que gera correntes bifásicas controladas, com frequências que podem variar de 2 Hz até 100 Hz, dependendo do objetivo terapêutico.

Como a PENS Funciona no Organismo?

Mecanismo de Ação Principal

A PENS atua através de múltiplos mecanismos neurobiológicos que convergem para o alívio da dor. O mecanismo principal baseia-se na Teoria do Controle do Portão (Gate Control Theory), proposta por Melzack e Wall em 1965, que revolucionou nossa compreensão sobre a modulação da dor.

Segundo esta teoria, existe um “portão” neurológico ao nível da medula espinhal que pode ser aberto ou fechado, modulando a transmissão dos sinais dolorosos para o cérebro. A estimulação elétrica ativa preferencialmente as fibras nervosas de grosso calibre (fibras A-beta), que são responsáveis pela transmissão de sensações táteis não dolorosas. Quando essas fibras são estimuladas, elas competem com as fibras de pequeno calibre (fibras A-delta e C) que transmitem os sinais de dor, efetivamente “fechando o portão” e reduzindo a percepção dolorosa.

Mecanismos Complementares

Além do controle do portão espinhal, a PENS atua através de outros mecanismos importantes:

Hiperpolarização das Fibras C: A estimulação elétrica cria um campo elétrico que hiperpolariza as fibras C (responsáveis pela dor crônica), impedindo a propagação do potencial de ação ao longo das vias da dor até a medula espinhal.

Liberação de Mediadores Bioquímicos: O tratamento promove a liberação local de neurotransmissores endógenos como endorfinas e encefalinas, que são analgésicos naturais do organismo, contribuindo para o alívio da dor de forma mais duradoura.

Ativação de Vias Descendentes Inibitórias: A PENS estimula as vias descendentes modulatórias da dor, ativando estruturas corticais e subcorticais que incluem o córtex cingulado anterior, córtex insular, tálamo e córtex somatossensorial primário. Estudos com tomografia por emissão de pósitrons (PET) demonstram aumento do fluxo sanguíneo cerebral nessas regiões após o tratamento.

Neuromodulação Periférica: Ao atuar diretamente sobre os nervos periféricos, a PENS pode modificar a excitabilidade neuronal anormal característica de condições de dor neuropática e mista, restaurando o equilíbrio da transmissão nervosa.

Para Quais Pacientes a PENS é Mais Indicada?

Indicações Principais

A PENS demonstra eficácia particular em condições caracterizadas por dor mista (combinação de componentes nociceptivos, neuropáticos e nociplásticos) e em casos refratários aos tratamentos farmacológicos convencionais:

Lombalgia Crônica: Especialmente eficaz em pacientes com dor lombar de origem degenerativa, incluindo aqueles com componente neuropático associado. Estudos controlados demonstram superioridade da PENS em relação à TENS e aos exercícios isolados no alívio da dor lombar crônica.

Neuropatias Periféricas: Particularmente indicada para neuropatia diabética dolorosa, onde diretrizes baseadas em evidências da Academia Americana de Neurologia classificam a PENS como tratamento de nível B de recomendação.

Dores Musculoesqueléticas Complexas: Condições como epicondilagia lateral, dor patelofemoral anterior, síndrome do túnel do carpo e outras neuropatias compressivas respondem favoravelmente ao tratamento.

Dor Oncológica: Como terapia complementar no manejo da dor secundária a metástases ósseas em pacientes com câncer terminal, permitindo redução do uso de opioides.

Cefaleia Crônica: Demonstra eficácia no manejo de diferentes tipos de cefaleia, incluindo enxaqueca e cefaleia tensional.

Síndrome Dolorosa Miofascial: PENS pode ajudar a tratar os pontos-gatilho miofasciais, ajudando no controle da dor e relaxamento muscular, facilitando processo de reabilitação.

A estimulação elétrica nervosa percutânea pode ajudar no tratamento da dor miofascial. Os estudos mais recentes mostram que a técnica tem efeito analgésico significativo tanto em curto quanto no médio prazo, sendo eficaz em reduzir não apenas a intensidade da dor, mas também a incapacidade relacionada à dor miofascial.

Critérios de Seleão de Pacientes

Os candidatos ideais para PENS apresentam as seguintes características:

  • Dor crônica (duração superior a 3 meses) que não respondeu adequadamente aos tratamentos convencionais
  • Presença de componente neuropático identificável
  • Intolerância ou contraindicação aos medicamentos analgésicos tradicionais
  • Desejo de reduzir a dependência de medicações sistêmicas
  • Ausência de contraindicações absolutas ao procedimento
  • Expectativas realistas quanto aos resultados do tratamento

Benefícios Esperados e Possíveis Riscos

Benefícios Terapêuticos

Alívio Significativo da Dor: Estudos clínicos demonstram redução da intensidade dolorosa variando entre 21% a 60%, dependendo da condição tratada e dos parâmetros utilizados. A estimulação em baixa frequência (3 Hz) mostrou-se mais eficaz que frequências mais altas (10 Hz) em certas condições.

Melhora da Funcionalidade: Meta-análises evidenciam melhora na capacidade funcional dos pacientes, embora o efeito sobre a incapacidade relacionada à dor seja menos consistente que o alívio da dor propriamente dita.

Redução do Uso de Medicamentos: Muitos pacientes experimentam diminuição significativa na necessidade de analgésicos sistêmicos, incluindo opioides, com consequente redução dos efeitos colaterais medicamentosos.

Efeito Cumulativo: O uso repetido da PENS pode resultar em efeitos cumulativos benéficos, possivelmente devido à diminuição da excitabilidade neuronal anormal e ativação das vias descendentes inibitórias da dor.

Melhora do Sono e Qualidade de Vida: Pacientes frequentemente relatam melhora na qualidade do sono e redução da ansiedade associada à dor crônica.

Riscos e Efeitos Colaterais

A PENS é considerada um procedimento seguro quando realizada por profissionais qualificados. Os riscos são mínimos e incluem:

Efeitos Locais Menores:

  • Desconforto temporário no local da inserção da agulha
  • Hematoma ou equimose local (raro)
  • Sangramento mínimo no ponto de inserção

Riscos Raros mas Importantes:

  • Infecção no local de inserção (extremamente rara com técnica asséptica adequada)
  • Lesão nervosa (muito rara quando realizada com orientação ultrassonográfica)
  • Pneumotórax (apenas em aplicações na região cervical baixa ou torácica, extremamente raro)

Contraindicações Absolutas:

  • Presença de marca-passo ou desfibrilador implantado
  • Infecção ativa no local de aplicação
  • Distúrbios graves da coagulação
  • Gravidez (contraindicação relativa)

O que Esperar Durante e Após o Procedimento

Preparação e Procedimento

Avaliação Pré-procedimento: O médico realizará avaliação clínica completa, incluindo histórico da dor, exame físico neurológico e revisão de exames complementares. A identificação precisa do nervo alvo é fundamental para o sucesso do tratamento.

Técnica Ultrassom-Guiada: Atualmente, a orientação ultrassonográfica é considerada padrão-ouro para a realização da PENS, garantindo maior precisão no posicionamento das agulhas e aumentando a segurança do procedimento. O ultrassom permite visualização em tempo real das estruturas nervosas e dos tecidos adjacentes.

Durante o Procedimento:

  • O paciente é posicionado confortavelmente, permitindo acesso à região a ser tratada
  • Realiza-se antissepsia rigorosa da área
  • Aplicação de anestésico local pode ser utilizada para minimizar o desconforto
  • Inserção das agulhas (tipicamente 2 a 10 agulhas, dependendo da área tratada) sob orientação ultrassonográfica
  • Conexão a um placa aterramento próxima ao local do tratamento
  • Ativação do estimulador elétrico com parâmetros personalizados

Sensações Durante o Tratamento: Os pacientes geralmente sentem uma sensação de formigamento ou vibração tolerável na região estimulada. A intensidade é ajustada conforme a tolerância individual, buscando-se sempre uma estimulação perceptível mas confortável.

Protocolo de Tratamento

A configuração do tratamento é personalizada, mas segue parâmetros gerais para garantir eficácia e segurança.

ParâmetroEspecificação Típica
Duração da Sessão20 a 45 minutos
Frequência das Sessões2 a 3 vezes por semana
Duração do Tratamento Inicial3 a 6 semanas (total de 6 a 12 sessões)
Forma de OndaBifásica balanceada
Largura de Pulso100 a 450 microssegundos
Frequência de Estimulação2 a 100 Hz (ajustada ao objetivo)
Intensidade0,2 a 1,0 mA (ou até tolerância confortável)

Resultados e Seguimento

Resposta Imediata: Alguns pacientes experimentam alívio da dor já na primeira sessão, frequentemente devido ao relaxamento do espasmo muscular associado. No entanto, os benefícios plenos geralmente se manifestam após 4 a 5 sessões.

Durabilidade dos Efeitos: A duração do alívio varia significativamente entre pacientes:

  • Alguns experimentam alívio completo por períodos prolongados (3 meses ou mais)
  • Outros obtêm alívio por períodos mais curtos, necessitando sessões de manutenção
  • Uma pequena parcela pode não responder ao tratamento

Tratamentos de Manutenção: Não há limitação quanto ao número de sessões que podem ser realizadas, permitindo tratamentos de manutenção conforme necessário. A frequência das sessões de manutenção é individualizada baseada na resposta do paciente.

Seguimento Clínico: Avaliações periódicas são realizadas para monitorar a resposta terapêutica, ajustar parâmetros de tratamento e identificar possíveis efeitos adversos. Escalas padronizadas de dor e funcionalidade são utilizadas para documentar objetivamente os resultados.

Diferenças em Relação a Outros Tratamentos

A PENS distingue-se de outras modalidades de eletroterapia por sua capacidade de estimular diretamente as estruturas nervosas periféricas, oferecendo vantagens significativas sobre tratamentos superficiais como a TENS. Enquanto a TENS pode ter sua eficácia limitada pela resistência da pele e pela dificuldade de atingir estruturas mais profundas, a PENS consegue entregar a estimulação elétrica precisamente onde é necessária.

CaracterísticaPENS (Percutânea)TENS (Transcutânea)
AplicaçãoAgulhas finas inseridas através da peleEletrodos de superfície colados na pele
ProfundidadeEstimulação direta e profunda de nervos periféricosEstimulação superficial, limitada pela resistência da pele
PrecisãoAlta precisão, especialmente com guia de ultrassomMenos precisa, estimula uma área mais difusa
EficáciaGeralmente mais eficaz para dores profundas e neuropáticasEficaz para dores mais superficiais e agudas
InvasividadeMinimamente invasivaNão invasiva

Comparada aos bloqueios anestésicos, a PENS oferece uma alternativa não farmacológica que pode ser repetida quantas vezes necessário, sem os riscos associados ao uso repetido de anestésicos locais ou corticosteroides. Além disso, não interfere com outras medicações que o paciente possa estar utilizando.

Integração no Tratamento Multidisciplinar

A PENS é mais eficaz quando integrada a um plano de tratamento multidisciplinar que pode incluir fisioterapia, exercícios terapêuticos, técnicas de relaxamento e, quando apropriado, medicações. Esta abordagem integrada permite abordar os múltiplos aspectos da dor crônica, incluindo componentes físicos, psicológicos e sociais.

Perspectivas Futuras

A pesquisa continua evoluindo para estabelecer protocolos padronizados mais precisos, identificar biomarcadores preditivos de resposta terapêutica e desenvolver parâmetros de estimulação otimizados para diferentes condições. O uso crescente da orientação ultrassonográfica e o desenvolvimento de equipamentos mais sofisticados prometem aumentar ainda mais a eficácia e segurança desta modalidade terapêutica.

Conclusão

A PENS representa uma opção terapêutica valiosa e baseada em evidências para pacientes com dor crônica complexa que não responderam adequadamente aos tratamentos convencionais. Sua natureza minimamente invasiva, perfil de segurança favorável e capacidade de proporcionar alívio significativo da dor fazem dela uma ferramenta importante no arsenal terapêutico moderno.

O sucesso do tratamento depende da seleção adequada de pacientes, técnica de aplicação precisa e integração com outras modalidades terapêuticas. Pacientes interessados nesta opção devem consultar profissionais experientes na técnica para avaliação individualizada e discussão das expectativas realistas de tratamento.

A evolução contínua da pesquisa científica promete aprimorar ainda mais esta modalidade terapêutica, oferecendo esperança renovada para pacientes que enfrentam o desafio diário da dor crônica.

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Médico especialista em Dor e Fisiatria pela USP. Área de Atuação em Dor pela Associação Médica Brasileira. Doutorado em Ciências pela Universidade de São Paulo. Professor e Colaborador do Grupo de Dor do Hospital das Clínicas da USP.