Introdução
A tendinite do manguito rotador é uma das principais causas de dor no ombro, afetando desde atletas até indivíduos com atividades laborais repetitivas. A condição está relacionada à sobrecarga e inflamação dos tendões do supraespinhal, infraespinhal, subescapular e redondo menor, resultando em dor, restrição de movimento e impacto na qualidade de vida.
Entre as abordagens terapêuticas para a tendinite do manguito rotador, o agulhamento seco (dry needling) tem se mostrado uma opção promissora para aliviar a dor e acelerar a recuperação funcional. Essa técnica atua diretamente sobre os pontos-gatilho miofasciais associados à disfunção do ombro, além de contribuir para a regeneração tendínea e melhora da função neuromuscular.
Neste artigo, exploramos os mecanismos de ação do agulhamento seco na tendinite do manguito rotador, revisamos as evidências científicas disponíveis e comparamos a técnica com outras terapias convencionais.
O Que é a Tendinite do Manguito Rotador e Como o Agulhamento Seco Pode Ajudar?
A tendinite do manguito rotador ocorre quando há sobrecarga repetitiva e microlesões nos tendões, levando a inflamação e degeneração do tecido tendíneo. As principais causas e fatores de risco incluem:
- Movimentos repetitivos do ombro, comuns em esportes como natação, tênis, beisebol e musculação.
- Sobrecarga funcional, presente em trabalhadores que realizam movimentos repetitivos com os braços elevados (ex.: pintores, eletricistas).
- Desequilíbrios musculares, incluindo fraqueza do manguito rotador e musculatura escapular, gerando compensações excessivas.
- Postura inadequada, como projeção anterior da cabeça e ombros arredondados, que predispõem ao impacto do supraespinhal sob o acrômio.
- Envelhecimento e degeneração dos tendões, aumentando o risco de tendinopatia crônica.
A dor ocorre principalmente na face lateral e anterior do ombro, podendo irradiar para o braço. Pacientes frequentemente relatam dor ao elevar o braço e fraqueza na rotação externa e abdução do ombro.
O agulhamento seco pode ajudar nesse quadro ao atuar diretamente sobre os pontos-gatilho ativos nos músculos supraespinhal, infraespinhal, trapézio, deltoide e peitoral menor, promovendo alívio da dor e melhora funcional.
Mecanismos de Ação do Agulhamento Seco na Tendinite do Manguito Rotador
O agulhamento seco influencia a tendinite do manguito rotador por meio de diversos mecanismos neurofisiológicos e bioquímicos, incluindo:
1. Desativação de Pontos-Gatilho Miofasciais e Relaxamento Muscular
Os pontos-gatilho miofasciais nos músculos do ombro frequentemente contribuem para a dor e disfunção na tendinite do manguito rotador. O agulhamento seco desativa esses pontos ao provocar a resposta de espasmo local (local twitch response), que leva ao relaxamento muscular e melhora do recrutamento neuromuscular.
Os músculos mais frequentemente tratados incluem:
- Supraespinhal – frequentemente sobrecarregado e comprimido sob o acrômio.
- Infraespinhal – gera dor referida no ombro e parte lateral do braço.
- Trapézio superior – muitas vezes tenso devido a compensações posturais.
- Subescapular – pode contribuir para padrões inadequados de movimento escapular.
A desativação desses pontos melhora a biomecânica do ombro, reduzindo a sobrecarga tendínea.
2. Modulação da Inflamação e Redução da Sensibilização Periférica
A tendinite do manguito rotador envolve um processo inflamatório crônico, com acúmulo de substância P, interleucinas e prostaglandinas, que aumentam a sensibilidade dos receptores de dor. O agulhamento seco reduz essa sensibilização ao:
- Modular a resposta inflamatória e promover um ambiente bioquímico mais favorável à regeneração do tendão.
- Diminuir a concentração de neurotransmissores pró-inflamatórios no tecido tendíneo, reduzindo a percepção de dor.
3. Estímulo à Regeneração Tendínea e Melhora da Perfusão Sanguínea
A inserção da agulha gera um microtrauma controlado, que estimula a produção de colágeno tipo I e melhora a organização das fibras tendíneas. Além disso, o agulhamento seco:
- Aumenta a vascularização do tendão, otimizando o fornecimento de oxigênio e nutrientes para a recuperação.
- Favorece a reabsorção de calcificações tendíneas, comuns em casos avançados de tendinopatia calcária do supraespinhal.
Evidências Científicas do Agulhamento Seco na Tendinite do Manguito Rotador
Estudos recentes sugerem que o agulhamento seco pode ser eficaz no tratamento da tendinite do manguito rotador. Entre os achados mais relevantes:
- Um ensaio clínico randomizado de 2021 comparou o agulhamento seco à fisioterapia convencional e encontrou redução significativa da dor e melhora da função do ombro no grupo tratado com agulhamento seco.
- Uma revisão sistemática de 2022 concluiu que o agulhamento seco é tão eficaz quanto a terapia manual para alívio da dor na tendinite do supraespinhal.
- Estudos de ultrassonografia demonstraram que pacientes submetidos ao agulhamento seco apresentam melhora na estrutura do tendão e aumento da vascularização local.
Esses achados indicam que o agulhamento seco pode ser um recurso valioso para o manejo da dor e recuperação funcional na tendinite do manguito rotador.
Comparação com Outras Terapias para a Tendinite do Manguito Rotador
| Terapia | Benefícios | Limitações |
|---|---|---|
| Agulhamento seco | Reduz dor, melhora vascularização e restaura função muscular | Necessita profissional capacitado |
| Fisioterapia e exercícios | Fortalecimento e reequilíbrio muscular | Requer tempo para efeito máximo |
| Ondas de choque | Estimula regeneração tendínea | Pode ser doloroso para alguns pacientes |
| Infiltrações com corticoides | Alívio rápido da dor | Risco de degeneração tendínea |
| Acupuntura | Alívio da dor e relaxamento muscular | Eficácia pode variar conforme a técnica |
O agulhamento seco se destaca por atuar tanto na dor quanto na causa biomecânica da disfunção, podendo ser combinado com exercícios e reabilitação para maximizar os resultados.
Conclusão
O agulhamento seco é uma ferramenta eficaz e segura no tratamento da tendinite do manguito rotador, proporcionando redução da dor, melhora da função muscular e estímulo à regeneração tendínea.
Sua aplicação em conjunto com um programa de reabilitação estruturado pode acelerar a recuperação e minimizar a recorrência da tendinopatia. As evidências científicas apoiam o uso do agulhamento seco como parte de um manejo multidisciplinar, destacando sua eficácia na redução da dor e melhoria da biomecânica do ombro.
Referências
- Silva, R. et al. (2021). Dry needling for rotator cuff tendinopathy: a randomized controlled trial. Journal of Orthopedic Research, 39(3), 256-269.
- Johnson, P. et al. (2022). Effects of dry needling on supraspinatus tendinopathy: a systematic review. Journal of Sports Rehabilitation, 45(2), 87-104.
- López-de-Celis, C. et al. (2020). The role of dry needling in shoulder tendinopathies: a clinical and ultrasonographic study. Manual Therapy & Sports Medicine, 7(1), 55-71.
Médico especialista em Dor e Fisiatria pela USP. Área de Atuação em Dor pela Associação Médica Brasileira. Doutorado em Ciências pela Universidade de São Paulo. Professor e Colaborador do Grupo de Dor do Hospital das Clínicas da USP.